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A DOSIMETRIA DA PENA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DOS AGENTES DELEGADOS


A prática de conduta em desacordo com as regras traçadas pelas normas legais origina o direito/dever Estatal de punir, asseguradas as garantias de ampla defesa e contraditório, pilares do devido processo legal, artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal de 1988.

Os agentes delegados do serviço público dos foros judicial e extrajudicial, nas infrações que cometem no exercício da função ou em razão dela, submetem-se, pela regra da especialidade1, lex especialis derrogati generali, sobretudo à Lei dos Notários e Registradores, a qual prevê em seu artigo 32: I – repreensão; II – multa; III – suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta; IV – perda da delegação. O artigo 194 do Código de Organização e Divisão Judiciárias, por sua vez, confere paridade à redação.

Semelhante tratamento é disciplinado no artigo 5º do Regulamento das Penalidades Aplicáveis aos Auxiliares da Justiça: I – advertência; II – censura; III – suspensão; IV – demissão.

Todavia, há de se ressaltar que o fato de uma dada atividade ser pública não implica, necessariamente, que o seu exercente seja integrante do aparelho denominado Administração Pública2 e, portanto, os auxiliares da justiça elencados no artigo 149 do Código de Processo Civil 3 não estão submetidos ao regime de Direito Público quando aceitam serviços dosparticulares, somente ao regime de Direito Privado (é o caso dos ofícios de Tradutor Público e de Intérprete, por exemplo, situação que merece um estudo a parte).4

Em relação aos Notários e Registradores, não cabe tratá-los como servidores públicos porque o STF, nas ADIs 2602/MG5 e 2791 do Paraná6 disse, com efeito, que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, serviço público não-privativo, exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público, assim, não se submetem ao mesmo regime os serventuários da Justiça e os servidores públicos para fins de aposentadoria (art. 40, caput, da Constituição Federal).

Feitas tais considerações, na fixação da pena disciplinar o julgador deve observar se o núcleo do verbo apontado como conduta na peça inaugural acusatória se amolda àquela tida como “falta”7, cujo conceito é subjetivo, indeterminado, dependente de esclarecimentos explicações pelo julgador, art. 489, § 1º do CPC8, devendo, neste percurso, distinguir falta leve de média, grave ou gravíssima, pois “a pena não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições”9.

A finalidade da pena, segundo as teorias oriundas do Direito Penal (absoluta, utilitarista e unificadora) pode assumir uma natureza retributiva, preventiva ou ressocializadora, de modo que, respectivamente, a primeira guarda resíduos da antiga vingança privada, a segunda destina-se a prevenir o cometimento de novas transgressões e, por fim, a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro acrescenta aos dois desígnios anteriores a busca pela reeducação, oportunizando a reabilitação ao convívio social.

Comprovadas a autoria e a materialidade do descumprimento de dever funcional, a penalidade a ser aplicada deve ser adequada e proporcional à gravidade da conduta. A penalidade de advertência, por escrito, subsume-se aos casos de mera negligência.

Aplica-se também por escrito a medida repressiva de censura, em caso de falta de cumprimento dos deveres previstos no Regulamento das Penalidades Aplicáveis aos Auxiliares da Justiça, e de reincidência de que tenha resultado aplicação de pena de advertência. A repreensão cabe para punir faltas leves, a exemplo daquelas preditas no artigo 36, I a X, do referido Regulamento.

O julgador deve atentar-se, em relação à primeira (leve), pela primariedade, bons antecedentes funcionais, ausência de dolo, não responsabilidade direta pelo fato irregular, as circunstâncias atenuantes, buscando arrimo no art. 59 do Código Penal.

A devolução de custas em dobro poderá ser cumulada com outra pena disciplinar e incide em casos de cobrança de custas que excedam os valores fixados na respectiva tabela, enquanto a multa é somente aplicável na reincidência ou em infração que não caracterize falta mais grave. A de suspensão se reiterado o descumprimento dos deveres10 (reincidência, art. 163, IV, CODJ) ou em caso de falta grave.

Para aplicação da pena de suspensão por 90 (noventa) dias os requisitos são a infringência às proibições previstas no artigo 4º do acórdão nº 7.556/CM (tais como a cumulação não permitida em lei de cargos ou funções públicas e o uso do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dignidade do cargo ou função) e/ou a reincidência de que tenha resultado aplicação de pena de censura, imprescindindo a verificação através de processo competente.

10 Art. 30, da Lei nº 8.935/94 espelhados art. 192, do CODJ, o qual acresce os deveres de residir na sede da comarca ou no distrito em que exerçam suas funções; comparecer pontualmente à hora de iniciar seu expediente e não se ausentar injustificadamente antes do término das atividades; cumprir as instruções da Corregedoria-Geral da Justiça.

A demissão deve ser aplicada somente nos casos expressamente previstos em lei, a exemplo da transgressão a proibição legal quando comprovada má-fé ou dolo. Isto porque o ônus da prova cabe a quem acusa e não há responsabilidade em Direito Disciplinar sem dolo ou culpa.

A perda da delegação, ultima ratio, se sujeita ao prévio trânsito em julgado de sentença judicial; ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado o amplo direito de defesa.

Em sede jurisprudencial, já decidiu o STF que “A lei não pode frustrar a garantia derivada do postulado do juiz natural. Assiste, a qualquer pessoa, quando eventualmente submetida a juízo penal, o direito de ser processada perante magistrado imparcial e independente, cuja competência é predeterminada, em abstrato, pelo próprio ordenamento constitucional.”11

A doutrina autorizada de ADA GRINOVER, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO e ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA assinala que “as modernas tendências sobre o princípio do juiz natural nele englobam a proibição de subtrair o juiz constitucionalmente competente”, destacando o respeito à “ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa à discricionariedade de quem quer que seja”.12

O art. 179 do CODJ reza como dever do juiz delimitar o teor da acusação, para que seja empreendida a defesa técnica – sem cerceamentos, incisos LIV e LV do art. 5º CF/88 – e se fizer uso de termos vagos ou conceitos indeterminado (no dizer iterativo do STF, capitaneado pelo ministro Celso de Mello, são insubsistentes “as imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas” (1ª Turma, HC 70.763/DF, DJ 23/9/1994), bem como as fundamentadas em “simples presunção ou (...) meras suspeitas” (2ª Turma, HC 89.427/BA, DJe 27/3/2008), deverá explicá-los, § 1º do art. 489 do Novo CPC, sob pena de não valer como ato administrativo vinculado aos rígidos ditames da lei.

E em relação à avaliação da falta (grave), deve buscar os objetivos compatíveis com os objetivos profissionais inerentes à delegação outorgada, não decorrendo de critérios pessoais do julgador, mas de fatos objetivados na justificação da pena, tais como o risco, o perigo das consequências da transgressão, o valor econômico envolvido, se trouxe dano material ou pessoal para a Administração Pública.

O princípio da subsidiariedade orienta que, quando um mesmo fato incide sob dois delitos – sendo um geral e o outro especial – somente se aplica este13 último ou mesmo quando o tipo vem previsto em duas leis: uma geral e outra especial esse última prevalece, sem prejuízo da interpretação sistemática e teleológica das normas de hierarquias diversas, art. 12814, da Lei 8.112/90 e art. 163, § 4º15, CODJ.

De MIGUEL REALE JÚNIOR extrai-se a lição de que “mesmo ocorrendo a adequação típica, e embora estejam presentes formalmente as características prescritas na lei, pode o fato não ser delituoso, se dele não decorrer perigo ou consequências danosas (..)”16.

A falta de dolo específico é o primeiro requisito levado em conta para avaliar na dosimetria da sanção se a conduta se encaixa no conceito indeterminado “grave”, não podendo o julgador à luz do § 1º do art. 489 do CPC, fazê-la aplicar sem antes densificar a indeterminação do termo de conceito genérico ou vago.

Diz EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR17:

Para (...) que possa ter lugar a responsabilização administrativa, a ocorrência de dolo ou culpa por parte do agente da infração. Afasta, portanto, a responsabilidade objetiva. Deriva da individualização da pena (art. 5º, XLVI,CF), de observância irretorquível pela jurisdição criminal, a forçar o seu aplicador a perscrutar o grau de culpa do autor da falta.

Como é sabido, não mais se atribui responsabilidade objetiva aos agentes delegados do serviço público, mas sim subjetiva: “Para caracterização da responsabilidade subjetiva, exige-se que o agente delegado tenha agido, para a eclosão do resultado danoso, com dolo ou culpa, cujo fato constitutivo do direito alegado em juízo não se presume, mas sim, prova-se”.18

Acresça que para a fixação correta da sanção, além da necessidade de existir dolo específico os demais elementos, como mensurar a proporcionalidade em relação à insignificância das “infrações” efetivamente praticadas e a pena imposta, a razoabilidade da sanção, as circunstâncias atenuantes (primariedade e ilibada vida funcional, a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais do agente delegado.19

Isso é obrigatório.

A violação à proporcionalidade da pena no Processo administrativo constitui desvio de finalidade por parte da Administração, tornando a sanção aplicada ilegal e, sujeita à revisão pelo Poder Judiciário.20

A razoabilidade, como princípio geral de interpretação impede a consumação de atos, fatos e comportamentos inaceitáveis, injustos e arbitrários. HUMBERTO ÁVILA quando trata desse princípio como congruência diz que:

Os princípios constitucionais do Estado de Direito (art. 1º) e do devido processo legal (art. 5º, LIV) impedem a utilização de razões arbitrárias e

18 SANTOS, Vicente Paula. Qual a responsabilidade dos notários e registradores?

Disponível em: http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27126:artigo-qual-a-responsabilidade-dos-notarios-e-registradores-vicente-paula-santos&catid=32&Itemid=181

Vide a nova redação do artigo 22 da Lei nº 8.935/94 introduzida pelo artigo 2º da Lei Federal nº 13.286, de 10 de maio de 2016.

19 STJ, MS n° 6.663/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, 3ª Seção, DJ de 02.10.2000.

20 STJ, RMS 7.260/DF, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, 3ª Seção, DJ 26.08.2002; e MS nº 7.983/DF, Rel. Min. HELIO QUAGLIA, 3ª Seção, DJ de 30.03.2005.

a subversão dos procedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.21

Como última etapa, a sanção deve respeitar o princípio da finalidade, da individualização e da não transcendência, no sentido de que à Administração Pública é defeso impor medida mais severa além da necessária para atingir o fim pretendido, respeitando-se as peculiaridades de cada caso concreto.

Os princípios da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica servem para “evitar que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do direito positivo ou na conduta do Estado, mesmo quando manifestadas em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos administrados ou frustrar lhes as expectativas”22.

Em conclusão, no Estado Democrático de Direito, a atuação dos diversos Poderes deve ser moderada, jamais excessiva. Vale dizer: não se deve impor sacrifício desnecessário a quem quer que seja, seja na via judicial, legislativa ou administrativa.

As fases da dosimetria da sanção - que leva em conta dentre outros critérios, os bons antecedentes, o tempo de serviço do agente - não são inutilidade da lei, ao reverso, têm a finalidade de segurança jurídica contra o arbítrio do Estado.

Por VICENTE PAULA SANTOS, especializado em Processo Administrativo Disciplinar, e FERNANDA PAGANIN DO AMARAL.

Advogados em Curitiba/PR, e-mail vps@vpsadvogados.com.br e fernanda@vpsadvogados.com.br

21 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 4ª edição, Malheiros, 2004, p. 107.

22 SILVA, Almiro do Couto e. O Princípio da Segurança Jurídica. Revista de Direito Administrativo n. 237, jul/set, 2004, Rio de Janeiro: Renovar, 2004.p. 275/276.

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